Maurílio Gonçalves da Silva
Especializando do curso
em Filosofia e Psicanálise – UFES/ES
Sociólogo – UFJF/MG
Epígrafe
“o indivíduo abandona seu ideal do eu (Ichideal) e o troca pelo ideal da massa, encarnado pelo líder (Führer)” (Freud)
Resumo:
Este artigo trata a respeito do processo democrático eleitoral brasileiro e os seus conseqüentes desdobramentos a partir da influência da visão encantada, ético-moral, judaico-cristã de mundo que interferiu seriamente na decisão dos eleitores e na pauta dos candidatos à Presidência da República na reta final do primeiro turno da eleição. Levando o processo a um segundo turno de ampla cobertura da temática do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo às pautas dos candidatos.
Palavras chaves: Eleição. Democracia. Moral. Ética. Candidatos. Estado. República.
Abstract:
This article discuss about a brazilian election democratic process and their development consequent from the influence of magic vision, moral-etic, Christian-judaic, of world that interfered seriously on decisions of the voters and the agenda of candidates to Presidency of Republic at the end of the first turn of election. Taking the process as second turn of large coverage of thematic related of abortion and the marriage between people of the same sex to agenda of candidates.
Key words: Election. Democracy. Moral. Etic. Candidates. States. Repulic.
Introdução
Esse trabalho tem como preocupação o curso tomado pelo processo eleitoral brasileiro no que tange os debates assumidos pelos candidatos à Presidência da República. À luz da construção racionalista do Estado Contratual dos filósofos iluministas, busca-se analisar a dinâmica dos discursos dos presidenciáveis. O objetivo dessa busca é compreender como uma sociedade que se quer moderna se torna refém de uma concepção religiosa de mundo em detrimento de dados – apresentados pelos candidatos – e resultados comprobatórios de um avanço sócio-econômico relevante para desenvolvimento nacional e o bem estar de sua gente.
Freud, no início do século XX, em sua obra já apontava as dificuldades sociais do mundo em sua modernidade ainda profundamente dependente de um núcleo “teológico-político”. Pois o desencantamento do mundo prometido pela psicanálise (e pelo discurso cientifico) só poderá ocorrer a partir do momento em que os vínculos sócio-culturais e os conflitos sociais não forem mais regulados através da saída neurótica do complexo de Édipo. Enquanto isso não ocorre, a estrutura psíquica do sujeito moderno está vulnerável à incorporação sócio-cultural através de figuras sociais do supereu, como àquelas que animam as crenças religiosas, as lideranças carismáticas. (SAFATLE, Vladimir)
Hoje, ainda, a modernidade não deu conta de superar essa visão encantada de mundo, evento que justifica a interpretação do processo eleitoral brasileiro.
A preocupação desse artigo focaliza-se no fato de uma eleição tão importante para o desenvolvimento do país e aclamada como vitoriosa em primeiro turno desdobra-se para o segundo turno com grandes possibilidades de a insatisfação dos eleitores ter-se centralizado em questões ético-moral com forte apelo religioso judaico-cristão.
Desenvolvimento
O processo eleitoral democrático contemporâneo é um evento do Estado Nacional Moderno que se inspirou na filosofia contratualista dos filósofos iluministas do século XVIII. Estes partiam do princípio que o Estado Contratual se contrapõe ao Estado de Natureza no qual os homens eram livres para fazer o que bem desejassem e ao mesmo tempo também dependeriam única e exclusivamente de suas próprias forças para garantirem sua integridade e a proteção de seu clã.
É importante salientar que devido às fragilidades e inseguranças proporcionadas por esse Estado de liberdade, em algum momento da História humana, os Homens resolveram, em comum acordo, que para o bem de si próprio e de seus pertences o melhor seria que seus direitos e obrigações fossem de alguma forma reguladas por um ente superior, imparcial e justo. Nesse momento nasce o Estado Contratual e a partir daí a sociedade humana estabelece limites para suas ações e relações.
Portanto, pode-se afirmar que esse Contrato – ainda que imaginário – sendo a vontade dos membros da sociedade para poderem viver em paz ao contrário do estado de “uma guerra de todos contra todos” , fez-se a partir de atos, conclusivamente, racionais, pois, assim, haveria a garantia de que alguém regularia as relações entre os membros da sociedade e estabeleceria um equilíbrio de força entre os desiguais e, ainda, o ressarcimento de danos ocasionados por outrem, bem como penalidades a quem eventualmente viesse a infringir as leis. Ou seja, a sociedade estaria protegida para construir a felicidade individual e coletiva de seus membros.
Hodiernamente, as ditas sociedades modernas adotaram como padrão político o sistema de governo democrático, direto ou indireto, no qual de alguma maneira o povo decide quem governará sua nação por um determinado período de tempo. As decisões políticas de todas as nações são baseadas em princípios, normas, códigos morais e ético. Acredita-se que os governos buscam o melhor para seu povo por mecanismos sociais, políticos e econômicos. Tudo adequadamente planejado, organizado por meios técnicos e eficazes – pelo menos é isso que se apregoa durante o período eleitoral antecedente ao pleito.
Esse é o momento que a sociedade brasileira está vivendo nos últimos meses desde 03/07/2010. O país teve eleições gerais para vários cargos, todavia, o que nos interessa aqui é o pleito relativo ao cargo mais relevante e cobiçado de todas as funções dos poderes eletivos – a Presidência da República. Ainda estamos na vigência do segundo turno da eleição presidencial e – é esse momento que nos interessa nesse artigo – a pauta de debate em jogo desviou-se do que se espera ser o foco principal de uma eleição presidencial: um Projeto de Nação pela via da unidade nacional através de um projeto sócio-político-econômico, para uma contenda que pôs em foco questões ético-morais – como o aborto e a relação homoafetiva – aliás, aventa-se ainda, se eventualmente, não foi justamente esses temas que acabaram levando o pleito ao segundo turno, polarizando dois projetos de país que defendem basicamente a mesma concepção ideológica administrativa, com diferenças pontuais: um de alcance popular e, o outro, focalizando grupos privilegiados da sociedade, pois as siglas PT e PSDB , inspiraram-se basicamente nas mesmas referências históricas da social democracia européia.
Acredita-se imperar em disputas a cargos tão relevantes para a governabilidade de uma nação o senso crítico e o uso da razão como meios de atingir as metas desejadas. Os partidos políticos fazem seu conteúdo programático, traçam seus objetivos, pactuam alianças e consolidam coligações afins e levam ao conhecimento do grande público sua intenção com o país e seus compromissos com os governados, ou seja, o bem de todos. Esse processo visa conquistar o eleitor para o projeto partidário que deseja assumir o poder no país.
O exercício da democracia e a alternância no Poder da República são formas de construções em última instância da felicidade de indivíduos e grupos, nesse curso do desenvolvimento humano os indivíduos trilham também seu processo de aperfeiçoamento e perseguem o seu próprio caminho na vida . Logo, as decisões propostas ou tomadas pelos governos ou seus pleiteantes a este Poder devem levar em consideração a visão e leitura de mundo de todos os eleitores em potencial. Não obstante o que constata é a interferência direta das religiões e de seus adeptos nas posturas, falas e propostas dos candidatos à Presidência da República, principalmente, no segundo turno da eleição. Em outras palavras, aquilo que definimos como irracional ou inconsciente é o que assume o tom do debate político e entra em pauta questões categóricas para determinados indivíduos, assumindo valores acima da vida.
A questão relativa ao atendimento a gestante que interrompe sua gestação é de suma relevância para assegurar a vida – tanto da mãe quanto do feto. A possibilidade de receber uma gestante no serviço público com pretensões abortivas geraria a necessidade de organizar uma rede de serviço – com assistência social, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, sociólogos, antropólogos etc – articulados com fins a garantir a gestação do feto e, ainda, a proteção à mãe que possivelmente é levada a conjecturar o aborto por acreditar ser essa a única saída para seu drama, o que de fato, à primeira vista, possa ser real, dada as inúmeras dificuldades de atendimento e serviços existentes em um país que enxerga o seu povo como alguém que onera o serviço público e não como cidadão e pessoas com dignidade humana.
Agora, em pleno processo eleitoral as mulheres que sempre foram vitimizadas pelas condições de abandono histórico entram em cena, não na condição de vítimas, mas vistas como criminosas pelos moralistas de plantão. O debate sobre atendimento às mulheres que se envolvem em situação de aborto e não tem condições de cuidar da própria saúde é um caso de política pública e não de polícia. Não cabe às religiões ou a seus líderes tentarem manipular o processo eleitoral porque esse ou aquele candidato defende o direito dessas gestantes poderem ser cuidadas. Proteger o feto e a gestante é um direito e dever de todos, todavia, no âmbito do Estado, as decisões devem ser técnicas e terapêuticas quando se trata de gente. Cabe às religiões se adaptar e propor como agirão no âmbito público. O que ocorreu no processo eleitoral foi o inverso e os presidenciáveis tiveram que adaptar seus discursos e justificar sua posição ético-moral para assegurar os votos conquistados no primeiro turno. O espaço político virou palco de uma guerra santa com sérias tentativas de satanizar quem defendesse um princípio alheio ao cenário religioso.
Outra questão também polêmica, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, assumiu posição de destaque durante o processo eleitoral. Há no Congresso Nacional brasileiro um projeto de Lei para reconhecer o direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Os defensores do projeto alegam que é uma forma eficaz de combater a homofobia; já os opositores afirmam que o projeto tem a pretensão de submeter a sociedade à tolerância indiscriminada das relações homoafetivas, impondo inclusive às instituições religiosas a obrigatoriedade de união entre as pessoas que assim desejarem.
A lógica da legislação vai ao encontro de debates internacionais para implantação de direitos humanos em todos os países que sejam signatários da Convenção Universal dos Direitos Humanos de 1948. Este é o caso do Brasil que a assinou e, por isso, a existência e o trâmite de tal código. Entretanto, grupos religiosos defendem posição contrária a esse tipo de legislação por acreditar que a homossexualidade se trata de uma anormalidade que distorce as relações de gênero masculino e feminino.
Conclusão
A organização da sociedade moderna nos último duzentos anos buscou firma-se em alicerces racionais. Os Estados contemporâneos querem, a partir da produção de seus dados estáticos, comprovar que há um controle racional das ações e relações humanas. A filosofia contratualista gerou as condições de possibilidades dessa interpretação ingênua da sociedade. Todavia, Freud a partir de suas análises e estudos descobriu que os seres humanos em suas ações seguem seus impulsos reprimidos no inconsciente o que conhecemos superego.
Os debates eleitorais no Brasil, as mudanças de discursos dos candidatos, as interferências de religiosos, suas aparições nas gravações de programas eleitorais, evidenciam a forte presença do supereu social decidindo os destinos de milhões de pessoas e impedindo que outros milhões que desejam trilhar seu próprio caminho para a felicidade, se permitindo seguir, possivelmente, o seu id não tenham sequer a possibilidade de debaterem suas reivindicações junto aos candidatos pela forças de coerção moral exercida pelas religiões judaico-cristã que manipularam seus fiéis a obediência cega da vontade e seus líderes que assumem o controle do monopólio da vontade de seu Deus, impondo um direcionamento dos votos a quem se declarasse contrário a tais opiniões. Então, os presidenciáveis a mercê de perder a eleição optaram por omitir suas posições ou voltaram atrás em suas opiniões para não comprometer-se com algo que não é função precípua do chefe do Executivo, ou seja, atribuição de outro Poder – o Legislativo . Eles temeram perder o apoio de eleitores religiosos que representam cerca de 75 porcento da sociedade da brasileira.
As situações supracitadas explanam bem o universo freudiana pelas escolhas irracionais dos eleitores que numa atitude regressiva a infância se permitem obedecer a determinação de seu líder religioso e escolher votar em quem por ele for indicado. Dessa forma, a vontade em primeiro plano fica a cargo do inconsciente moral que determina padrão ético devocional aos candidatos que devem reprovar a condução moral de determinados grupos de eleitores que deixam de ter seus direitos assegurados no âmbito da República. Os atores sociais envolvidos nesse processo esperam de seus candidatos atitudes e posturas de um grande líder provedor – um pai primevo – que lhe dê sentido existencial através, necessariamente, de suas reivindicações.
Referências Bibliográficas:
FREUD, Sigmund; A psicologia das massas e a análise do eu, Frankurt, Fischer, 1999
FREUD, Sigmund; Mal Estar da Civilização (1930 [1929]). In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v.XXI
CONSTITUIÇÃO FEDERAL REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL - 1988
Parabéns pelo artigo e por sua contribuição nas aulas .
ResponderExcluirVocê é muito importante para a continuidade do nosso curso e no caso de alguma dificuldade estaremos aqui, pois somos uma família.
Att
Adriana Paula